29.9.06

Esperando Josef K.

Paro para descansar na sombra de uma Sequóia...me pergunto: "quantas gerações essa árvore milenar observou parada?"..."e antes ainda, quantas pessoas não pararam neste mesmo lugar que estou e desataram a falar de seus problemas e processos existencias?"

No mínimo deve ser cômico presenciar diferentes épocas, com suas devidas características culturais, políticas e sociais...enfim, provavelmente minhas lamentações não são MEDIEVAIS, apesar de às vezes eu considerá-las...riso amarelo...

Resolvo sentar para ler...acabo cochilando...ACORDO com o barulho das folhas secas esmagadas por um homem...ele se apresenta com o nome de Josef K. ...estranho, falo em silêncio...já ouvi esse nome em algum lugar...não importa...começamos a conversar...na verdade a nossa conversa está mais para palavras desconexas...não há fundamento, muito menos lógica...um diálogo que transita entre o absurdo e o trágico...ESTALO...homens modernos buscando fundamento na COMUNICAÇÃO...processo em EXTINÇÃO...

Pergunto algo...na verdade, somente para fugir do silêncio, pois fico imaginando que diferença fará na minha vida saber qual o trabalho desse homem...no entanto, para ele a pergunta faz sentido...me responde que trabalha em um banco e, além do mais, me responde que nesse momento está detido por um crime que não faz idéia qual seja, nem que o tenha em algum momento cometido...

BIZARRO...a justiça continua a dar provas da sua total incerteza, despreparo e intolerância frente a termos tão abstratos e frágeis como o que é normatizado como o "certo" e o "errado"...não há interpretações, análises críticas...exitem apenas coações...e nessa pressão "escrita" acabamos por nos contradizer, fazendo o errado, achando que é o certo...coitado desse homem, deve ter caído na imposta AUTO-ILUSÃO construtiva da lei...

Nessas minhas divagações silenciosas, acontece algo realmente perturbador...porém, instigante...o tal Josef K. me pergunta de qual autor eu sou um personagem...não seguro o riso; entretanto, percebo que ele está falando sério...resolvo entrar na BRINCADEIRA e me apresento como ESTRAGON, personagem de BECKETT...não entendo o motivo dessa escolha, afinal existem tantos personagens de autores muito mais interessantes a meu ver...enfim, me deixo levar sempre nessa intuição velada por segundas intenções, terceiras motivações...

Porém, agora quem acha hilário é o tal Josef K. ...afirma com toda a pretensão possível que eu não posso ser ESTRAGON...que ESTRAGON está sempre acompanhado por VLADIMIR...e um não existe sem o outro...
Respondo rápido e penso..."Toma!Soco no estômago!"..."então, querido Josef. K. ...acho que aí está seu crime...falsidade ideológica...você é VLADIMIR!!risos irônicos...

-Pare de brincar...impossível...eu sou um personagem Kafkiano...você não me reconhece?!

Longa pausa....

-Ahh..claro que sim...você é o personagem de "O Processo"!!Me desculpe...risos...então, se eu sou Estragon e você é Josef K., por que alguém resolveu promover nosso ENCONTRO?...Será que fazemos parte de um outro romance?...Talvez o novo "Dom Josef. K de la Mancha e Sancho Estragon", que achas?!risos...

- Que observação idiota!!Perda de tempo...

-Você me desculpe a ironia, mas não consigo encontrar nenhuma relação entre nossos personagens (nesse momento já começava a acreditar na "brincadeira" criada por mim mesmo) a não ser...pensando melhor...acho que ambos estamos esperando algo, não é?!

Josef K. franze a testa...aperta os olhos como se analisando meu questionamento e concorda, dizendo que sempre esperou as respostas pelos motivos do tão angustiante PROCESSO pelo qual havia passado...
Dessa forma, me deparo com outra dúvida, se Josef K. estava detido, como podia estar ali na sombra, tranquilamente, conversando comigo?!...e mais, se eu sou Estragon, como poderia estar sem o Vladimir e muito menos sem a vaga idéia de estar esperando um tal Godot?!

Essas DÚVIDAS...espera...espera...pronto...concluo: acho que eu precisava de você e você precisava de mim, não achas?!Só temos de descobrir o por quê?!

-Sim, de certa forma nós nos completamos, não é?!Observa Josef K. ...veja só, eu fui detido em um processo pelo qual não me explicaram o motivo...Kafka me moldou como um personagem extremamente racional para mostrar toda a loucura do mundo...,ou seja, a minha detenção revela mais do que uma simple crítica ao Estado de Direito, ela marca esta relação de instabilidade que todo sujeito possui com o mundo moderno. A minha angústia é a angústia de todo aquele que de repente desperta de seu ilusório sono de harmonia social para uma realidade assustadoramente palpável, desordenada e abarrotada de perguntas sem respostas. Você quer saber a conclusão que cheguei através desse PROCESSO? A aniquiladora proximidade consigo mesmo...dolorosa porém reveladora...

-Humm...você tem razão...descobri por que na minha ilusão ficcional escolhi ser ESTRAGON...estou preso também a um PROCESSO...na verdade é o mesmo processo que você; entretanto, abordados por nossos autores e suas pirações teóricas de outra forma...esse é o processo da existência, não é?!
Descobrimos sempre qualquer coisa que nos dá a impressão de existirmos. Não é mesmo, Didi?!Desculpe-me, Josef K.?!

-Não me confunda usando frases já ditas...vamos...seja original Estragon...agora você faz parte de outra realidade!!

-Não!Espera Josef K. ...veja só...eu não sou ESTRAGON...somente usei esse personagem para que fosse possível a sua chegada...me dei conta que você é o resultado da minha espera...esse excesso de perguntas, de gestos e movimentos repetitivos, todos desprovidos de sentido aparente, garantem a mesma angústia do seu personagem em o "O processo"... a única diferença é que para Vladimir e Estragon faltava a consciência plena de sua situação, pois não dominavam, não compreendiam a equação a qual estavam submetidos...a sua angústia era outra...você tinha a consciência...eles permaneceram em um movimento(ou melhor, não movimento, não ação) de inércia. Não agem por que não aprendem; o passado lhes escapa, não o dominam. Também não conseguem superar essa dificuldade refletindo juntos, pois vivem conflitos inerentes ao homem, o da incomunicabilidade e o da degeneração imposta pelo tempo a si próprios e àquilo que desejam, que daria sentido a suas vidas.

Josef K. reflete sobre essas afirmações e pergunta:
-"Mas então, afinal, quem é Godot?!"

-Godot é a mesma coisa que a resposta do por quê de você ter sido detido sem explicações...não existe...na verdade Godot não é nem um pouco importante...o importante é sim, a espera por ele...a maneira como nos comportamos nessa espera por um sentido, por uma "ilusão" de tranformação, de mudança, de significados lógicos que não virão nunca...que nunca serão reconhecidos como tais...
Conseguimos viver plenamente com as perguntas, mas nunca com as respostas, pois no momento que encaramos essas como respostas, na verdade elas já viram perguntas de novo e assim sucessivamente...repetidamente em um movimento cíclico como a vida, como a história...arquétipos e repetições...

-Tudo bem...mas de que maneira eu sou o resultado da tua espera?!

-Você, Josef K. representa todo esse PROCESSO penoso de livrar-se das correntes da ilusão da harmonia, da ordem...você representa o árduo PROCESSO de despertar para a vida cruel, para a realidade fria...você foi aquele que saiu da "caverna de Platão" porém foi morto pelo sistema sem ter a chance de alertar aos outros...você se livrou do sono alienante e cômodo para a prisão de estar totalmente desperto e consciente da vida alucinante, inútil e sem sentido do mundo moderno...
Por isso você é o resultado da minha espera...Godot não é Deus, a liberdade ou a felicidade e, sim a espera construída nesse PROCESSO...essa ELUCIDAÇÃO pela qual você passou é a chave para as minhas perguntas...nossa comunicação, nossa compreensão só foi possível, e por isso fingi ser um personagem, pelo fato de vivermos em universos paralelos...eu sou real porém vivia em uma ficção, você é ficcional porém foi desperto para a cruel realidade...quanta ironia!


Levanto, me despeço e continuo a caminhar pelo mesmo trajeto...

Ao som de "Just like heaven" - The Cure




25.9.06

Processo


















Continuo a caminhar pelo mesmo trajeto...tortuoso...disforme...trajetos compatíveis com os meus PROCESSOS de ser-humano minúsculo que habita um planeta minúsculo frente a todo esse imenso UNIVERSO que nos consome...me questiono sobre a real importância de todos esses conflitos...e processos...e mediocridades que, constantemente, desorganizam toda a minha ILUSÃO de controle racional sobre certos pontos práticos da minha vida...enfim, minha cabeça, minha sentença...

Continuo a caminhar...agora meio cambaleante...esses "PROCESSOS" vão se colocando como obstáculos...como normativas cartesianas que uma por uma tentam me bloquear...BUROCRACIA...tentam me aniquilar e fazer com que eu me rasgue e sabote tudo que é emoção...a "razão" das minhas normativas epistemológicas é sensorial...intuição animal...

Continuo a caminhar...paro para descansar na sombra de uma Sequóia...


Ao som de "Disintegration" - The Cure




19.9.06

Jogo de erros

Corpos abertos. Razão vendada. Jogo da vida. Jogo do amor e da morte. Magia?! Feitiçaria.
Pergunta. EU PERGUNTO. Prefere sentir CULPA ou sentir VERGONHA?Resposta. EU RESPONDO.Não!VOCÊ RESPONDE. Sem dúvida, CULPA. Mentira!Talvez.

VERGONHA & CULPA. Instâncias psíquicas em resposta ao "ERRO". Humano. Sempre em PROCESSO de julgamento. No fim, apenas OSSOS calcinados. Ah, essa posição de INQUÉRITO constante! Solução. Sem solução.

CULPA pressupõe saber o "CERTO". SABER apenas. Posso não querer, não poder ou não conseguir. CULPA é póstuma. Desaparece quando é paga. VERGONHA é vital. Atual. Olhar do OUTRO somado ao Auto-DESPREZO. Auto-Estima. VERGONHA é paralizante. Não há pagamentos. Quer desaparecer mas não pode. A CULPA faz agir. Precisa ABSOLVIÇÃO. PERDÃO. Ou não?! Certeza:Era da VAIDADE e do NARCISISMO. A VERGONHA é o controle do instrumento SOCIAL. A CULPA é o intrumento do controle RELIGIOSO. Risos.


Nesse jogo de erros
"quase" fatais...
Escolhem-se as peças
do tabuleiro escuro
da vida...
Olhos "vendados"
são guiados pelos cheiros
das peles dos "reis" e "rainhas"...
Esse séquito
de empregados da vida
cinza e sem rimas....

Passos são calculados
Com cuidado
Com controle logístico
de nada...
do nada...
A intuição é apenas uma marca
na testa franzida...
Penduram-se na parede
nódoas e cicatrizes
pagas em vida...

Ei, seus tolos!
Não existe culpa por amar
demais...
Demasiado amor
tem apenas vergonha...
Vergonha ao sentir na razão
cega dos olhos do outro
o amor de menos...
O desprezo pelo amor
desigual....
Esse sim, fatal...

Desse desespero
Eu e você...
Não somos prisioneiros...
Nosso olhar não enxerga
a simple razão...
Somos cúmplices da emoção...
Vamos muito além...
Até a mansão
do coração....

Nesse jogo...
No nosso jogo
o tabuleiro tem sentido...
Os "reis" e "rainhas"
já foram banidos...
Saímos da escuridão
dos quadrados da razão...
Para o colorido abstrato da
emoção...
Criamos personagens todos os dias:
Crianças brincando de amar...
Sem culpa ou vergonha
de um amor-louco
tão visceral...
tão cabal...


Ao som de "The Killing Moon" - Echo and The Bunnymen

15.9.06

A gota d'água


Gotas d'água...apenas gotas...a Medéia Grega, a Eva Cristã e a Joana do Candomblé...as indesejáveis e temidas mulheres pecadoras, representantes dos mitos da natureza continuam a combater a figura bíblica "perfeita" de Maria...àquela a qual a igreja define como a personificação de todas as "virtudes" que deveriam ser seguidas: castidade, submissão, alienação e indiferença...
Medéia é a "bárbara" mal vista que possuia poderes mágicos sobre ervas e raízes e que por vingança mata os próprios filhos...Eva é aquela, nascida de uma costela dobrada de um "homem superior" e portanto considerada um animal imperfeito que vai enganar sempre por possuir uma tendência natural pelo pecado...finalmente chegamos à Joana do Morro, mulher do povo, conhecedora dos rituais de Candomblé e figura transportada por Chico Buarque, desde a tragédia grega até a tragédia urbana, nossa Medéia contemporânea..essa gota d'água pela qual me afoguei em sentimentos...todos pulsantes...rentes à epiderme eriçada que traduzia para o cérebro apenas sinapses que nada diziam...o significado literal apenas o coração podia compreender...excitação...emoção...magia...medo...catarse...nada racional...a real banalização de tudo que é trágico na essência da mulher...o trágico original assim como o pecado original pertencem ao "sexo frágil"...
Que Medéia!Que Joana!Que força resgatada...escancarada desse "sexo frágil"!
O que parece acontecer nessa Gota d’água é um efeito de trivialização e de familiarização da tragédia grega: o que é nobre torna-se vulgar; toda a pompa da tragédia grega é substituída pelo comum; a linguagem, embora em versos, é muitas vezes chula; reis e príncipes dão lugar a pessoas do povo, “simples mortais” (sambistas, lavadeiras, biscateiros, gigolôs, fofoqueiros); os deuses da mitologia grega são "misturados" com as divindades do candomblé; as magias de Medéia são substituídas pelos “feitiços” de Joana:

"O pai e a filha vão colher a tempestade
A ira dos centauros e de pomba-gira
levará seus corpos a crepitar na pira
e suas almas a vagar na eternidade
os dois vão pagar o resgate dos meus ais
para tanto invoco o testemunho de Deus,
a justiça de Têmis e a bênção dos céus,
os cavalos de São Jorge e seus marechais,
Hécate, feiticeira das encruzilhadas,
padroeira da magia, deusa-demônia,
falange de Ogum,
sintagmas de Macedônia(...)
Eu quero ver sua vida passada a limpo,
Creonte. Conto co’a Virgem e o Padre Eterno,
todos os santos,
anjos do céu e do inferno,
eu conto com todos os orixás do Olimpo!"
(BUARQUE, PONTES, 2002, p. 101)

Será que através dos aspectos formais tanto do texto quanto da encenação, Aristóteles consideraria essa Gota d'água como uma Tragédia típica?
Acho que a maioria das pessoas que estavam sentadas...em cadeiras ou não...mandariam essas normativas aristotélicas para bem longe...
Naquele momento...a única "verdade" era a da sensibilidade...da mistura de corpos e de ritmos, todos juntos, concordando ou não, mas sempre "segurando nos braços" a personificação do Karma de todas as mulheres: a figura sofrida, desamparada, discriminada, carismática porém de uma força vingativa que causa medo e náusea da protagonista Joana.
Me deparo com uma estranha sensação de repúdia e, ao mesmo tempo, de entendimento e identificação com a personagem...fica claro que em nosso interior habitam todos os crimes, solidariedades e amores possíveis...a tragicidade está sempre lá...a única diferença é a passagem da "fantasia" para o ato...
Essa violência que recai sobre Medéia e portanto sobre Joana ultrapassa os signos sociais e se abate sobre a interioridade de sua feminilidade, sua sexualidade e seus sonhos. Como se fossem signos do universo feminino o qual, diferentemente do universo masculino, é todo construído "para dentro", assim como a representação física do nosso próprio órgão sexual.
Essa mulher vai aos extremos para ser acreditada, sua vingança irá além do consenso humano de "normalidade" (apesar de o mesmo estar em um momento bastante contraditório sobre seu "fiel" sentido)...será uma resposta carente de "razão" porém eficaz na medida em que atribui sentido e credibilidade ao comportamento feminino: até onde a mulher é capaz de chegar para defender sua honra e seus sentimentos...a "fantasia" tornar-se-á ação pela via passional....via essa que pertence na sua totalidade à natureza da mulher...Medéia, através da Joana de Chico Buarque, "canta" desde o ínicio o que foi a sua "perdição" e, consequentemente, será sua "salvação" através da vingança:

Já lhe dei meu corpo, minha alegria
Já estanquei meu sangue quando fervia
Olha a voz que me resta

Olha a veia que salta

Olha a gota que falta pro desfecho da festa

Por favor

Deixe em paz meu coração

Que ele é um pote até aqui de mágoa

E qualquer desatenção, faça não
Pode ser a gota d'água

Deixe em paz meu coração

Que ele é um pote até aqui de mágoa

E qualquer desatenção, faça não
Pode ser a gota d'água

Já lhe dei meu corpo, minha alegria
Já estanquei meu sangue quando fervia
Olha a voz que me resta

Olha a veia que salta

Olha a gota que falta pro desfecho da festa

Por favor

Deixe em paz meu coração

Que ele é um pote até aqui de mágoa

E qualquer desatenção, faça não
Pode ser a gota d'água

Pode ser a gota d'água


13.9.06

Realidade(fobia)?!


Despertei confusa
para uma realidade imprópria
parecia sonho
talvez...
um filme de David Linch
cheio de perturbações
como o "gênio" impiedoso
de um ditador encapuzado
"espaço vital"...
da sociedade secreta
dos pesadelos intermináveis

Acho que não despertei
me enganei...
impossibilidade física
disso tudo ser real...
ser irreal?
não pertenço a este lugar
(ou não pertenço àquele?!)

Imaginação suburbana...
vivo no centro
mas tenho a cabeça na periferia
sentimentos invertidos
preventivos...
pervertidos?!
Talvez...

Imagens codificadas
em plasma amorfo...
comedores de ópio
enlouquecidos em fantasias
juvenis...
puerilismo apunhalado
pelo pseudo-adulto
que existe em mim...

Discriminação avassaldora
de um ser excluído
por sua própria imaginação...
gotas de saquê respingam
no branco alado
dessa perturbação
inabalável...

Quero a insígnia da morte
tranformada em vida...
orientalização de um rótulo
intocável à primeira vista...

Minha realidade deste lado
misturada ao cheiro miúdo
do esterco...
cor verde de um "papel" ocidental
capital...
distância istmíca
desse "ismo" abismal...
doutrina imoral
de porcos encapuzados
ocidentais...

Prefiro voltar aos sonhos ...
a fantasia
dá colorido à realidade indomável
sou a excluída
em um mundo de imaginação...
onde ao menos
sou a personagem principal...
mesmo que "anormal"
como nos filmes
incompreensíveis...
de David Linch


Ao som de Ideologia - Cazuza

5.9.06

Tentação

- Tô com uma sensação nostálgica de algo que não consigo decifrar o quê...uma merda! Você já sentiu isso alguma vez?
-Não sei...acho que das vezes que senti sabia o por quê...tem certeza que é nostalgia?
-Pois é..não sei bem ao certo...parece nostalgia por eu estar "submerso" nesse estado melancólico permanente...
-Mas isso não quer dizer...nostalgia é uma sensação de vazio existencial... sei lá...você sente falta de algo?
-Não...eu sinto falta de não sentir falta de nada, entende?!Como se tudo que acreditei um dia não faça mais a mínima diferença...e, pior, como se tudo que eu venha um dia a acreditar não tenha importância alguma para meu futuro...
-É...eu diria que isso mais parece niilismo...mas não encara o niilismo como algo negativo...pois isso é o que querem pregar esses racionalistas idiotas que se dizem tão otimistas...a humanidade é niilista porém ninguém se atreve a dizer por medo de se sentir pessimista demais...todos somos hipócritas de certa forma...
-Como assim?!Você está dizendo que um estado depressivo e indiferente de merda como esse pode ser encarado de forma positiva?Mas o que significa o niilismo para você?
-Calma...deixa eu explicar...o niilismo para mim é algo como se os valores mais elevados historicamente constituídos se desvalorizassem, sabe?! Como se faltasse a finalidade; faltasse a "bendita" resposta ao "por quê?"
-Peraí...isso é o que a maioria entende por niilismo...você está sendo contraditório...se você concorda que o niilismo é esse estado de perda total de valores e respostas...como pode ser algo bom?!
-Claro que pode!Tudo depende do ponto de vista...risos

-Isso não é engraçado!Imagina perdermos todos nossos ideais...temos agora esse sentimento e está sendo um CAOS!
-E por que você morre de medo do CAOS?Com certeza é porque você encara o niilismo como a maioria, a qual segue esses intelectuais, adeptos de um Socrátismo que defende a verdade acima de qualquer teor místico, como se fosse possível distingüir o "verdadeiro" do aparente e do erro apenas com a nossa razão...que pretensão!
-Peraí, mas é isso que leva ao conhecimento...

-Presta atenção no que você está dizendo...isto sim é absolutamente contraditório...se fosse apenas a razão que levasse ao conhecimento, você acha, sinceramente, que a humanidade estaria nesse estado de melancolia e descrença permanente?!É muito fácil colocar a culpa de um mundo cada vez mais paradoxal em um estado de espírito, no qual a "mestra da vida", a razão, não pode explicar e, portanto, dizê-lo, negativo...
-Pode ser...mas de qualquer forma a culpa não é da razão, pelo contrário...são dessessentimentos destrutíveis que colocam nosso mundo nessa desordem e intensificam essa perda de objetivos e motivações diárias....
-Me responde uma coisa então...o que, ao teu ver, leva esses "sentimentos destrutíveis" a agirem?
-Sei lá..talvez um individualismo desenfreado...uma busca incessante por mais e mais poder que não encontra limites nunca...
-Pois então...isso é por que sempre estamos à procura dessa "verdade final", a qual dizem existir e que, definitivamente, é criada por uma ilusão racional que nos foi implantada no passado...hoje em dia, a razão que leva à busca de mais e mais conhecimento, às vezes se deixa levar por outros caminhos muito mais sombrios e destrutíveis...por isso, quer olhemos para o indivíduo, quer olhemos para a sociedade, o que vemos é uma realidade mais e mais paradoxal: de um lado o câncer, a aids, o desemprego, a marginalidade da pobreza, as guerras religiosas...e, por mais incrível que pareça, de outro, a tecnologia do microship, as redes de informação planetária, a medicina nuclear, entre tantas descobertas...portanto, você foge do CAOS, mas, sinceramente, o que parece isso para você?

-Tudo bem, parece o CAOS...porém você falou e falou mas ainda não me disse a que solução podemos chegar com esse sentimento do "nada", ou seja, do niilismo puro?
-Não há solução, apenas interpretação. O niilismo para mim é como se fosse um instrumento, uma dinâmica essencial na história que se perfaz no declínio. No entanto, de maneira diferente do que pensa o senso comum, a decadência , esse movimento da história, não deve ser pensado como algo puramente negativo, mas como um processo que permite que a história se faça como CRIAÇÃO. O próprio caráter “violento” de toda quebra de valores possui um caráter altamente necessário, pois é ele que possibilita ao homem “desvelar” o mundo para si a fim de que se abram novas possibilidades de ser.
-Pode continuar...
-Resumindo, a criação de ideais responde à necessidade de o homem encontrar segurança. Portanto, quando estes ideais não conseguem mais responder aos problemas vitais, eles se desvalorizam e aparece uma outra dimensão do niilismo que é uma época histórica intermediária entre o declínio e a criação de novos ideais e valores.
-Então é nessa época intermediária que reina o CAOS e em consequência o niilismo?

-É uma hipótese...nestas épocas, o homem se vê em meio a uma confusão de valores – o que parecia ser o "correto", agora parece ser "errado". A própria RAZÃO é relativa. O homem se encontra desorientado, não encontra mais uma perspectiva para o seu agir. Nestas épocas, o homem é levado por um nada infinito, por um vazio de sentido que lhe causa desespero e angústia existencial.
-Sim, pode ser...mas o que fazemos para nos sentirmos melhor?
-É preciso levar esse CAOS a sério , pois só o assumindo em todas suas possibilidades mais próprias é possível esgotá-lo. Somente esgotando todas as possibilidades do niilismo, é que se faz possível uma transvalorização de todos os valores. Como diz um gênio demente que estou lendo: "É estar desperto para apenas o que amamos e desejamos até o limite do terror - e que o resto seja apenas mobília coberta, anestesia diária, merda para cérebros, tédio sub-réptil de regimes totalitários, censura banal e dor desnecessária."
-Humm...tá aí algo que afronta....gostei!Quem é esse cara?
-É o novo Messias!(risos)...um profeta do CAOS...TENTAÇÃO demais para esses racionalistas que tentam de todas as formas coibir o comportamente "trágico" eternamente presente na essência de qualquer ser-humano...
-E por que eles têm tanto medo desse instinto "trágico"?
-Ótima pergunta...eles morrem de medo pois na verdade o que leva ao conhecimento é, definitivamente, essa maneira "trágica de ser"...não é a serenidade racional e sim a tragicidade dos instintos, ou seja, nessa perspectiva do trágico, o homem só conhece o bem, a "verdade", depois de passar pelo erro, depois de conhecer de perto o sofrimento, mesmo tendo desejado, desde o início, fazer a coisa certa...vivemos nesse paradoxo interminável...nesse conflito inesgotável de opostos...como Apolo e Dionísio discutindo eternamente dentro da nossa cabeça...
-Mas isso é muito complexo...é uma mudança radical de paradigmas...
-Não!Ouça, na verdade foram esses idiotas que mudaram o paradigma HUMANO em prol de um racionalismo praticamente MAQUINÁRIO...desde a muito tempo com os Socráticos...eles mentiram, venderam-nos idéias de bem e mal, infundiram-nos a desconfiança de nosso próprio corpo e a vergonha pela nossa condição de profetas do CAOS, da "tragicidade", inventaram palavras de nojo para nosso amor "molecular", hipnotizaram-nos com a falta de atenção, entendiaram-nos com a suposta ordem da civilização e todas as suas emoções mesquinhas...não deve existir essa competição sub-humana pelo poder...não há revolução, transformação, luta ou caminho para a "verdade" absoluta, o relativismo prevalece: não há maniqueísmos. Nós somos os monarcas de nossa própria pele , nossa liberdade inviolável espera ser completa apenas pelo amor de outros monarcas: uma política de sonho, arte e embriaguez como o AZUL DO CÉU.
-Realmente é TENTADOR demais...é humano demais, demasiado humano...

Ao som de "The Scientist" - Cold Play

1.9.06

Insuportável leveza de ser...


Ela acordou com um entendimento
inundando o seu pensamento
enchente...
possibilidade de afogamento
em sua própria cama sem colchão...
imersão...
afundando suas costas
até a madeira dura...
sentindo nas costelas
seu peso no mundo....

No sono inconsciente
era personagem...
de um título
fazia parte...
A história se repetia
paráfrases mal feitas
a primeira farsa grotesca
a segunda tragédia
de uma realidade desfeita...

Ligações apreendidas no sonho
imaginava...
e sentia em seu corpo
a leveza no sono
apolíneo...
amalgamada
à perturbação do peso na realidade
dionisíaca...

Algo estava errado
entendimento sem contexto
inter-relações arrancadas...
ilógica habitual do sonho
desconexo...
transmutada nessa madeira
dura realidade...

Deitada de costas...
desperta do sono
por um momento
e em toda a superfície dos poros...
seu corpo pesado
insuportávelmente dolorido
perguntava...
sem resposta:
"Qual meu peso no mundo?!"

A dor se confundia com a leveza
do sono...
adormece da realidade...
seu corpo
marcado pela fria madeira
plana...
e como num estalo de dedos
sente sua mediocridade
a "insuportável leveza de ser"
nada...
absolutamente nada


Ao som de "L'Homme Pressé" - Noir Désir