5.9.06

Tentação

- Tô com uma sensação nostálgica de algo que não consigo decifrar o quê...uma merda! Você já sentiu isso alguma vez?
-Não sei...acho que das vezes que senti sabia o por quê...tem certeza que é nostalgia?
-Pois é..não sei bem ao certo...parece nostalgia por eu estar "submerso" nesse estado melancólico permanente...
-Mas isso não quer dizer...nostalgia é uma sensação de vazio existencial... sei lá...você sente falta de algo?
-Não...eu sinto falta de não sentir falta de nada, entende?!Como se tudo que acreditei um dia não faça mais a mínima diferença...e, pior, como se tudo que eu venha um dia a acreditar não tenha importância alguma para meu futuro...
-É...eu diria que isso mais parece niilismo...mas não encara o niilismo como algo negativo...pois isso é o que querem pregar esses racionalistas idiotas que se dizem tão otimistas...a humanidade é niilista porém ninguém se atreve a dizer por medo de se sentir pessimista demais...todos somos hipócritas de certa forma...
-Como assim?!Você está dizendo que um estado depressivo e indiferente de merda como esse pode ser encarado de forma positiva?Mas o que significa o niilismo para você?
-Calma...deixa eu explicar...o niilismo para mim é algo como se os valores mais elevados historicamente constituídos se desvalorizassem, sabe?! Como se faltasse a finalidade; faltasse a "bendita" resposta ao "por quê?"
-Peraí...isso é o que a maioria entende por niilismo...você está sendo contraditório...se você concorda que o niilismo é esse estado de perda total de valores e respostas...como pode ser algo bom?!
-Claro que pode!Tudo depende do ponto de vista...risos

-Isso não é engraçado!Imagina perdermos todos nossos ideais...temos agora esse sentimento e está sendo um CAOS!
-E por que você morre de medo do CAOS?Com certeza é porque você encara o niilismo como a maioria, a qual segue esses intelectuais, adeptos de um Socrátismo que defende a verdade acima de qualquer teor místico, como se fosse possível distingüir o "verdadeiro" do aparente e do erro apenas com a nossa razão...que pretensão!
-Peraí, mas é isso que leva ao conhecimento...

-Presta atenção no que você está dizendo...isto sim é absolutamente contraditório...se fosse apenas a razão que levasse ao conhecimento, você acha, sinceramente, que a humanidade estaria nesse estado de melancolia e descrença permanente?!É muito fácil colocar a culpa de um mundo cada vez mais paradoxal em um estado de espírito, no qual a "mestra da vida", a razão, não pode explicar e, portanto, dizê-lo, negativo...
-Pode ser...mas de qualquer forma a culpa não é da razão, pelo contrário...são dessessentimentos destrutíveis que colocam nosso mundo nessa desordem e intensificam essa perda de objetivos e motivações diárias....
-Me responde uma coisa então...o que, ao teu ver, leva esses "sentimentos destrutíveis" a agirem?
-Sei lá..talvez um individualismo desenfreado...uma busca incessante por mais e mais poder que não encontra limites nunca...
-Pois então...isso é por que sempre estamos à procura dessa "verdade final", a qual dizem existir e que, definitivamente, é criada por uma ilusão racional que nos foi implantada no passado...hoje em dia, a razão que leva à busca de mais e mais conhecimento, às vezes se deixa levar por outros caminhos muito mais sombrios e destrutíveis...por isso, quer olhemos para o indivíduo, quer olhemos para a sociedade, o que vemos é uma realidade mais e mais paradoxal: de um lado o câncer, a aids, o desemprego, a marginalidade da pobreza, as guerras religiosas...e, por mais incrível que pareça, de outro, a tecnologia do microship, as redes de informação planetária, a medicina nuclear, entre tantas descobertas...portanto, você foge do CAOS, mas, sinceramente, o que parece isso para você?

-Tudo bem, parece o CAOS...porém você falou e falou mas ainda não me disse a que solução podemos chegar com esse sentimento do "nada", ou seja, do niilismo puro?
-Não há solução, apenas interpretação. O niilismo para mim é como se fosse um instrumento, uma dinâmica essencial na história que se perfaz no declínio. No entanto, de maneira diferente do que pensa o senso comum, a decadência , esse movimento da história, não deve ser pensado como algo puramente negativo, mas como um processo que permite que a história se faça como CRIAÇÃO. O próprio caráter “violento” de toda quebra de valores possui um caráter altamente necessário, pois é ele que possibilita ao homem “desvelar” o mundo para si a fim de que se abram novas possibilidades de ser.
-Pode continuar...
-Resumindo, a criação de ideais responde à necessidade de o homem encontrar segurança. Portanto, quando estes ideais não conseguem mais responder aos problemas vitais, eles se desvalorizam e aparece uma outra dimensão do niilismo que é uma época histórica intermediária entre o declínio e a criação de novos ideais e valores.
-Então é nessa época intermediária que reina o CAOS e em consequência o niilismo?

-É uma hipótese...nestas épocas, o homem se vê em meio a uma confusão de valores – o que parecia ser o "correto", agora parece ser "errado". A própria RAZÃO é relativa. O homem se encontra desorientado, não encontra mais uma perspectiva para o seu agir. Nestas épocas, o homem é levado por um nada infinito, por um vazio de sentido que lhe causa desespero e angústia existencial.
-Sim, pode ser...mas o que fazemos para nos sentirmos melhor?
-É preciso levar esse CAOS a sério , pois só o assumindo em todas suas possibilidades mais próprias é possível esgotá-lo. Somente esgotando todas as possibilidades do niilismo, é que se faz possível uma transvalorização de todos os valores. Como diz um gênio demente que estou lendo: "É estar desperto para apenas o que amamos e desejamos até o limite do terror - e que o resto seja apenas mobília coberta, anestesia diária, merda para cérebros, tédio sub-réptil de regimes totalitários, censura banal e dor desnecessária."
-Humm...tá aí algo que afronta....gostei!Quem é esse cara?
-É o novo Messias!(risos)...um profeta do CAOS...TENTAÇÃO demais para esses racionalistas que tentam de todas as formas coibir o comportamente "trágico" eternamente presente na essência de qualquer ser-humano...
-E por que eles têm tanto medo desse instinto "trágico"?
-Ótima pergunta...eles morrem de medo pois na verdade o que leva ao conhecimento é, definitivamente, essa maneira "trágica de ser"...não é a serenidade racional e sim a tragicidade dos instintos, ou seja, nessa perspectiva do trágico, o homem só conhece o bem, a "verdade", depois de passar pelo erro, depois de conhecer de perto o sofrimento, mesmo tendo desejado, desde o início, fazer a coisa certa...vivemos nesse paradoxo interminável...nesse conflito inesgotável de opostos...como Apolo e Dionísio discutindo eternamente dentro da nossa cabeça...
-Mas isso é muito complexo...é uma mudança radical de paradigmas...
-Não!Ouça, na verdade foram esses idiotas que mudaram o paradigma HUMANO em prol de um racionalismo praticamente MAQUINÁRIO...desde a muito tempo com os Socráticos...eles mentiram, venderam-nos idéias de bem e mal, infundiram-nos a desconfiança de nosso próprio corpo e a vergonha pela nossa condição de profetas do CAOS, da "tragicidade", inventaram palavras de nojo para nosso amor "molecular", hipnotizaram-nos com a falta de atenção, entendiaram-nos com a suposta ordem da civilização e todas as suas emoções mesquinhas...não deve existir essa competição sub-humana pelo poder...não há revolução, transformação, luta ou caminho para a "verdade" absoluta, o relativismo prevalece: não há maniqueísmos. Nós somos os monarcas de nossa própria pele , nossa liberdade inviolável espera ser completa apenas pelo amor de outros monarcas: uma política de sonho, arte e embriaguez como o AZUL DO CÉU.
-Realmente é TENTADOR demais...é humano demais, demasiado humano...

Ao som de "The Scientist" - Cold Play