29.9.06

Esperando Josef K.

Paro para descansar na sombra de uma Sequóia...me pergunto: "quantas gerações essa árvore milenar observou parada?"..."e antes ainda, quantas pessoas não pararam neste mesmo lugar que estou e desataram a falar de seus problemas e processos existencias?"

No mínimo deve ser cômico presenciar diferentes épocas, com suas devidas características culturais, políticas e sociais...enfim, provavelmente minhas lamentações não são MEDIEVAIS, apesar de às vezes eu considerá-las...riso amarelo...

Resolvo sentar para ler...acabo cochilando...ACORDO com o barulho das folhas secas esmagadas por um homem...ele se apresenta com o nome de Josef K. ...estranho, falo em silêncio...já ouvi esse nome em algum lugar...não importa...começamos a conversar...na verdade a nossa conversa está mais para palavras desconexas...não há fundamento, muito menos lógica...um diálogo que transita entre o absurdo e o trágico...ESTALO...homens modernos buscando fundamento na COMUNICAÇÃO...processo em EXTINÇÃO...

Pergunto algo...na verdade, somente para fugir do silêncio, pois fico imaginando que diferença fará na minha vida saber qual o trabalho desse homem...no entanto, para ele a pergunta faz sentido...me responde que trabalha em um banco e, além do mais, me responde que nesse momento está detido por um crime que não faz idéia qual seja, nem que o tenha em algum momento cometido...

BIZARRO...a justiça continua a dar provas da sua total incerteza, despreparo e intolerância frente a termos tão abstratos e frágeis como o que é normatizado como o "certo" e o "errado"...não há interpretações, análises críticas...exitem apenas coações...e nessa pressão "escrita" acabamos por nos contradizer, fazendo o errado, achando que é o certo...coitado desse homem, deve ter caído na imposta AUTO-ILUSÃO construtiva da lei...

Nessas minhas divagações silenciosas, acontece algo realmente perturbador...porém, instigante...o tal Josef K. me pergunta de qual autor eu sou um personagem...não seguro o riso; entretanto, percebo que ele está falando sério...resolvo entrar na BRINCADEIRA e me apresento como ESTRAGON, personagem de BECKETT...não entendo o motivo dessa escolha, afinal existem tantos personagens de autores muito mais interessantes a meu ver...enfim, me deixo levar sempre nessa intuição velada por segundas intenções, terceiras motivações...

Porém, agora quem acha hilário é o tal Josef K. ...afirma com toda a pretensão possível que eu não posso ser ESTRAGON...que ESTRAGON está sempre acompanhado por VLADIMIR...e um não existe sem o outro...
Respondo rápido e penso..."Toma!Soco no estômago!"..."então, querido Josef. K. ...acho que aí está seu crime...falsidade ideológica...você é VLADIMIR!!risos irônicos...

-Pare de brincar...impossível...eu sou um personagem Kafkiano...você não me reconhece?!

Longa pausa....

-Ahh..claro que sim...você é o personagem de "O Processo"!!Me desculpe...risos...então, se eu sou Estragon e você é Josef K., por que alguém resolveu promover nosso ENCONTRO?...Será que fazemos parte de um outro romance?...Talvez o novo "Dom Josef. K de la Mancha e Sancho Estragon", que achas?!risos...

- Que observação idiota!!Perda de tempo...

-Você me desculpe a ironia, mas não consigo encontrar nenhuma relação entre nossos personagens (nesse momento já começava a acreditar na "brincadeira" criada por mim mesmo) a não ser...pensando melhor...acho que ambos estamos esperando algo, não é?!

Josef K. franze a testa...aperta os olhos como se analisando meu questionamento e concorda, dizendo que sempre esperou as respostas pelos motivos do tão angustiante PROCESSO pelo qual havia passado...
Dessa forma, me deparo com outra dúvida, se Josef K. estava detido, como podia estar ali na sombra, tranquilamente, conversando comigo?!...e mais, se eu sou Estragon, como poderia estar sem o Vladimir e muito menos sem a vaga idéia de estar esperando um tal Godot?!

Essas DÚVIDAS...espera...espera...pronto...concluo: acho que eu precisava de você e você precisava de mim, não achas?!Só temos de descobrir o por quê?!

-Sim, de certa forma nós nos completamos, não é?!Observa Josef K. ...veja só, eu fui detido em um processo pelo qual não me explicaram o motivo...Kafka me moldou como um personagem extremamente racional para mostrar toda a loucura do mundo...,ou seja, a minha detenção revela mais do que uma simple crítica ao Estado de Direito, ela marca esta relação de instabilidade que todo sujeito possui com o mundo moderno. A minha angústia é a angústia de todo aquele que de repente desperta de seu ilusório sono de harmonia social para uma realidade assustadoramente palpável, desordenada e abarrotada de perguntas sem respostas. Você quer saber a conclusão que cheguei através desse PROCESSO? A aniquiladora proximidade consigo mesmo...dolorosa porém reveladora...

-Humm...você tem razão...descobri por que na minha ilusão ficcional escolhi ser ESTRAGON...estou preso também a um PROCESSO...na verdade é o mesmo processo que você; entretanto, abordados por nossos autores e suas pirações teóricas de outra forma...esse é o processo da existência, não é?!
Descobrimos sempre qualquer coisa que nos dá a impressão de existirmos. Não é mesmo, Didi?!Desculpe-me, Josef K.?!

-Não me confunda usando frases já ditas...vamos...seja original Estragon...agora você faz parte de outra realidade!!

-Não!Espera Josef K. ...veja só...eu não sou ESTRAGON...somente usei esse personagem para que fosse possível a sua chegada...me dei conta que você é o resultado da minha espera...esse excesso de perguntas, de gestos e movimentos repetitivos, todos desprovidos de sentido aparente, garantem a mesma angústia do seu personagem em o "O processo"... a única diferença é que para Vladimir e Estragon faltava a consciência plena de sua situação, pois não dominavam, não compreendiam a equação a qual estavam submetidos...a sua angústia era outra...você tinha a consciência...eles permaneceram em um movimento(ou melhor, não movimento, não ação) de inércia. Não agem por que não aprendem; o passado lhes escapa, não o dominam. Também não conseguem superar essa dificuldade refletindo juntos, pois vivem conflitos inerentes ao homem, o da incomunicabilidade e o da degeneração imposta pelo tempo a si próprios e àquilo que desejam, que daria sentido a suas vidas.

Josef K. reflete sobre essas afirmações e pergunta:
-"Mas então, afinal, quem é Godot?!"

-Godot é a mesma coisa que a resposta do por quê de você ter sido detido sem explicações...não existe...na verdade Godot não é nem um pouco importante...o importante é sim, a espera por ele...a maneira como nos comportamos nessa espera por um sentido, por uma "ilusão" de tranformação, de mudança, de significados lógicos que não virão nunca...que nunca serão reconhecidos como tais...
Conseguimos viver plenamente com as perguntas, mas nunca com as respostas, pois no momento que encaramos essas como respostas, na verdade elas já viram perguntas de novo e assim sucessivamente...repetidamente em um movimento cíclico como a vida, como a história...arquétipos e repetições...

-Tudo bem...mas de que maneira eu sou o resultado da tua espera?!

-Você, Josef K. representa todo esse PROCESSO penoso de livrar-se das correntes da ilusão da harmonia, da ordem...você representa o árduo PROCESSO de despertar para a vida cruel, para a realidade fria...você foi aquele que saiu da "caverna de Platão" porém foi morto pelo sistema sem ter a chance de alertar aos outros...você se livrou do sono alienante e cômodo para a prisão de estar totalmente desperto e consciente da vida alucinante, inútil e sem sentido do mundo moderno...
Por isso você é o resultado da minha espera...Godot não é Deus, a liberdade ou a felicidade e, sim a espera construída nesse PROCESSO...essa ELUCIDAÇÃO pela qual você passou é a chave para as minhas perguntas...nossa comunicação, nossa compreensão só foi possível, e por isso fingi ser um personagem, pelo fato de vivermos em universos paralelos...eu sou real porém vivia em uma ficção, você é ficcional porém foi desperto para a cruel realidade...quanta ironia!


Levanto, me despeço e continuo a caminhar pelo mesmo trajeto...

Ao som de "Just like heaven" - The Cure




1 Comments:

Blogger MIGRACIELO said...

QUe afudê isso aki, meu anjo! Tu eh mesmo a minha cabecinha mais iluminada!! Te amo, amo teu vasto ser. Bjao!!

9:55 AM  

Postar um comentário

<< Home