29.8.06

A Epifania do Falo



Prólogo

Sou Dionísio, filho de Zeus e da princesa Sêmele, passei toda minha gestação na coxa de meu pai, pois minha querida mãe faleceu antes de eu nascer.
Meu pai, Deus soberano irracional, assim que nasci me entregou aos cuidados das Ninfas, minhas protetoras e divindades da natureza que transbordam de graça criativa.
Juntamente com elas, os Sátiros, alegres e maliciosos acompanhantes com corpo de homem, chifres e patas de bode, formam meu séquito.
Percorremos todos os cantos do mundo enfeitiçando e seduzindo os humanos com os efeitos enebriantes e tentadores do VINHO.
Venho narrar duas divertidíssimas faloforias, nas quais me apresento e revelo o vinho para a terra de Atenas.

Primeiro Estásimo

Numa certa feita, na estrada de Elêuteras até Atenas, um homem chamado Pégaso, mediador de Dionísio, carrega nos braços uma "estátua original" de seu Deus. Aquele mesmo Deus que a cada ano, por ocasião das Grandes Dionisíacas (as famosas festas urbanas com apresentações de Tragédias) é levado pelos efebos de serviço em uma capela portátil, ao longo dessa mesma estrada, para ser de novo tranportado da Cidade ao Teatro.
Da primeira vez, Pégaso é mal recebido pelos Atenienses, os quais consideram a sua estranha e chocante "estátua" uma afronta. Dionísio fica violentamente irritado com tal pretensão.

Primeira Intervenção

Cidadãos Atenienses, imprudentes e arrogantes!Vocês não sabem a quem afrontaram tão ímpiamente!Sou Dionísio e minha cólera irá castigá-los por não respeitarem a forma da "égide", pela qual, de fato, desejo ser reverenciado.
Uma doença fulminate irá atingi-los no próprio membro pelo qual me viraram as costas. Apartir de hoje, nenhum remédio irá debelar o mal que causarei ao "sexo" masculino.

Primeiro Estásimo Lírico

Consultado às pressas pelos Atenienses, apavorados com a perda de sua virilidade, o Oráculo de Delfos informa que a cura interviria somente se o povo da Ática prestasse ao Deus todas as honras devidas, da maneira a qual desejava ser reverenciado. Sem perda de tempo os atenienses entenderam a mensagem e começam a construir falos , uns particulares, outros públicos porém todos com o objetivo de render as devidas homenagens ao Deus: imitando a "estátua" carregada por Pégaso desde Elêuteras.
Um Dionísio duplamente insólito: Deus até então desconhecido e, além disso, aparecendo sobre a forma de um pênis solitário, que vai revelar-se soberano. A estátua consagrada pelo culto reproduz fielmente a epifania que a introduz.

Segundo Estásimo

Icário, um camponês de Atenas, recebe um presente do próprio Dionísio: a primeira cepa de parreira. O camponês, generosamente, divulga para todos a nova bebida, a qual faz maravilhas; porém, os que bebem dela caem num sono tão profundo que os vizinhos acreditam que os mesmos estejam mortos.
Todos se voltam contra Icário e ferem-no mortalmente. Dionísio se sente encoleirado novamente e resolve vir em pessoa castigar os cidadãos atenienses na aparência perturbadora de um adolescente.

Segunda Intervenção

Que cólera se apossa de mim!Ah, esses bárbaros atenienses sentirão na pele o poder embriagador de Dionísio!Irei travestido da imagem tentadora de um adolescente pueril e seduzirei a todos...os deixarei loucos de desejo!Incita-los-ei até que os mesmos queiram me violar de tanto gozo!Dançarei para eles dias e noites e quando todos estiverem no auge da excitação desaparecerei como num estalo de dedos!

Segundo Estásimo Lírico

Todas as premonições de Dionísio ocorreram. Como o adolescente havia prometido satisfazer os desejos dos Atenienses, após o seu repentino desaparecimento, os assassinos de Icário permaneceram dominados por um impulso erótico inextingüível. Impulsionado pela cólera, Dionisio desencadeia em Atenas uma verdadeira loucura sexual:os homens, único objeto de seu ressentimento, são possuídos de um desejo imobilizado no mais alto grau de excitação. Novamente, o Oráculo de Delfos é consultado e a única saída para acabar com essa loucura ocasionada pela cólera do Deus é que sejam fabricados com urgência figurinhas de argila dos corpos em pleno estado de gozo, os quais devem ser consagrados no lugar dos próprios Atenienses para acabar, assim, com a mania que os possuía.

Estásimo final

Dionísio na primeira narrativa acalma-se quando figuras de falos lhe são oferecidos, já na segunda narração, o Deus somente ameniza sua cólera quando figuras dos próprios corpos tensos pela ereção são consagrados. De toda forma, Dionísio é o único Deus que se manisfesta pelo pênis e através do pênis, cuja representação figurada ocupa lugar central no seu culto e nas suas maiores festas.

O vinho pulveriza toda ânsia contida por dentre as máscaras de pudores que são construídas diariamente quase como um ritual. Dionísio é pura exaltação; uma realidade cheia de embriaguez que não se preocupa com esse indivíduo "mascarado", pretende pelo contrário, a sua aniquilação, a sua dissolução libertadora, a renúncia a qualquer tipo de identificação mística com si próprio. Esse estado, no qual a sensibilidade transborda pelos poros do corpo inteiro e a vontade de sair dançando e cantando enlouquecidamente é consequência desse sopro dionisíaco, desse furacão ardente de vida e de possibilidades que aparecem por dentre as inúmeras "máscaras" que vão caindo e sendo pisadas pelos dançarinos e sonhadores do séquito dos "horrores" sempre tentadores.

Ao som de "Afro B" - John Coltrane